Sempre ouvi falar de “discos datados” de forma pejorativa. É como se eles não prestassem mais nos tempos modernos. De certa forma, eu quase embarquei nessa. Foi quando comecei a ouvir obras que me transportavam para uma época em que eu sequer era nascido. Eu tenho dessas, e acredito que muitos também. Não vou comentar a respeito de pesquisar vídeos no YouTube sobre como era a vida em décadas passadas para não desviar o foco — e evidenciar como minha mente, às vezes, é completamente fora da casinha. Pois bem, o contato com essas obras foi preponderante para a virada de chave sobre o “datado”. Hoje, eu agradeço quando ouço discos que possuem tal característica. É sinal de que, ao ouvir, farei mais uma de minhas viagens imaginárias pelas décadas de 60, 70 e 80.
Como o objeto desta resenha é o disco Unknown Pleasures, do Joy Division, tudo o que eu queria era entrar na caverna de Dark e sair na segunda metade dos anos 70, em uma Manchester cinza, chuvosa, soturna e culturalmente efervescente. Sim, exagerei no romantismo. A cidade que eu descrevi não era bem assim na época — exceto a cultura, que realmente vivia um de seus melhores momentos. Manchester, assim como muitas cidades inglesas, especialmente no norte do país, estava passando por severas dificuldades econômicas e sociais. Indústrias fechando, desemprego e violência aumentando. Um verdadeiro caos. A juventude, sem nenhuma perspectiva. Para ajudar, o clima cinza e chuvoso, aliado à poluição, completava o que podemos chamar de cenário “perfeito” para a completa desilusão e falta de esperança. Em suma: não havia motivos para sorrir. Guarde essa frase quando alguém lhe disser que bandas de post-punk são demasiadamente depressivas. Contexto é tudo, meus amigos!
As mazelas da sociedade e do próprio Ian Curtis foram o pano de fundo para as composições deste que é um dos álbuns seminais do pós-punk. Durante toda a obra, que funciona quase como um diário do vocalista, é possível se deparar com temas que abordam profunda angústia existencial, depressão, alienação, solidão, morte, a epilepsia (doença que o próprio Curtis sofria), conflitos internos e a busca por sentido em um mundo caótico e aparentemente sem solução. A produção de Martin Hannett foi crucial nesse aspecto, pois tornou possível que as músicas entregassem exatamente a carga emocional que as letras demandavam. A cada faixa, podemos observar uma atmosfera sombria, densa e emocionalmente carregada.
Há de se dizer que o disco não foi um sucesso comercial à época, mas, aos poucos, de forma gradativa, foi crescendo — e hoje é cultuado até mesmo por gerações mais novas. Dá pra dizer que é um disco cult. E quem fala em música datada para se referir a Unknown Pleasures comete um erro escandaloso. Como pode o sofrimento humano e os conflitos internos serem coisas do passado? Será que, nos dias atuais, as letras de Ian Curtis não fazem ainda mais sentido, ou estamos vivendo em uma espécie de paraíso?
Mesmo que digam isso se referindo à sonoridade e ao próprio gênero pós-punk, eu discordo. Como disse acima, não havia formato mais ideal para transmitir o peso emocional que essas músicas carregam. Discos como esse podem não vender muito, mas vão vender para sempre, pois muitas pessoas se veem em letras como as que encontramos neste álbum.
Sempre recorro a Unknown Pleasures, ao Joy Division e ao pós-punk quando quero fazer uma viagem no tempo, ter aquele sentimento nostálgico e, ao mesmo tempo, refletir, ouvindo algo introspectivo e que tem muito a me dizer.
Te convido a fazer o mesmo.
Nota: 9/10